sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Opinião | Os Adivinhos, de Libba Bray


Titulo Original: The Diviners
Ano: 2013
Editor(a):  Edições ASA II
Páginas: 580

1.ª Edição - Outubro 2013


 Resumo da aba esquerda:

 Evie O'Neill foi exilada da sua monótona e pacata cidade natal e enviada para as agitadas ruas de Nova Iorque - e fica radiante! Nova Iorque é a cidade dos bares clandestinos, das compras e dos cinemas! Pouco depois, Evie começa a andar com as glamorosas «Ziegfeld Girls» e com atraentes carteiristas. O único problema é que Evie tem de viver com o seu tio Will, curador do Museu Americano de Folclore, Superstição e Ocultismo - também conhecido como «O Museu dos Arrepios», homem com uma pouco saudável obsessão pelo oculto.

Evie receia que ele descubra o seu segredo mais sombrio: um poder sobrenatural que até ao momento só lhe causou problemas. Porém, quando a polícia encontra uma rapariga morta que tem um estranho símbolo gravado na testa e Will é chamado ao local, Evie percebe que o seu dom pode ajudar a apanhar o assassino em série.

Quando Evie mergulha de cabeça numa dança com um assassino, outras histórias se desenrolam na cidade que nunca dorme. Um jovem chamado Memphis é apanhado entre dois mundos. Uma corista chamada Theta anda a fugir do seu passado. Um estudante chamado Jericho esconde um segredo chocante. E sem que ninguém saiba, algo sombrio e maligno despertou.


 Contra-capa:



 Mini-biografia da autora (aba direita):

 Libba Bray é autora de cinco peças de teatro e meia, alguns contos e ensaios, e muitas coisas que, nas suas próprias palavras, "nunca deverão ver a luz do dia". Trabalhou como empregada de mesa, ama, enroladora de burritos, caloira no mundo editorial e copywriter de publicidade. Criada no Texas com um regime estável de humor britânico, bandas alternativas, disfunção suburbana e má televisão, Libba conseguiu de algum modo escapar apenas com alguns cortes de cabelo seriamente conturbados. Actualmente a autora mora em Brooklyn, Nova Iorque, com o marido e o filho.

 Opinião

 2014 já estava marcado como um ano de excelentes leituras, mas só mesmo um livro como Os Adivinhos para garantir que acabava o ano com uma satisfação imensa e um sorriso na cara. 

 Desde que li o clássico O Grande Gatbsy, ou, mais importante ainda, desde que assisti à sua adaptação cinematográfica de 2013, que histórias sobre os anos 20 me atraem como um íman. Encontrar um livro como este, ainda por cima com uma capa tão chamativa e com uma bela grossura que promete entretenimento durante uns bons dias, não foi uma mera coincidência: foi o destino que quis que eu me apaixonasse à primeira vista por um livro que tantas surpresas me iria reservar. Uma combinação deliciosa de «policial, fantasia paranormal e drama histórico» era o que prometia e cumpriu a sua promessa até à última página.

 A Nova Iorque da Louca Idade do Jazz é o pano de fundo desta obra que dá início à série The Diviners. Mais especificamente no ano de 1926, durante a Lei Seca, tendo a oportunidade de visitar bares clandestinos, cinemas, teatros, ruas desertas e ruas cheias de gente, entre outros locais ora misteriosos, ora fascinantes. Num mundo pós-primeira Guerra Mundial, assistimos à modernização dos Estados Unidos da América. Os carros já enchem as ruas. As leis não proíbem as pessoas de se divertirem à custa do álcool. Ainda são feitas distinções entre negros e brancos. Há sempre festas a decorrer, há sempre movimento na Cidade que Nunca Dorme«A cidade usava tanta corrupção como eletricidade» (Pág. 85). E os sonhos. Oh, os sonhos, alimentados pelas luzes de néon e pelas melodias escutadas na rádio ou na rua. Será que esta cidade maravilha de luz e animação pode ter algo de negro e obscuro?

 A menina Evangeline O'Neil, de Zenith, Ohio, de dezassete anos, é a protagonista desta história fascinante. Mais conhecida como Evie, esta rapariga moderna vive intensamente a época em que vive: não perde uma oportunidade para participar numa festa com as amigas ou visitar aquele speakeasy de que ouviu alguém falar. Esta rapariga cheia de vida é conhecida por se meter constantemente em sarilhos, embora esteja cansada de ser conhecida pelos piores motivos. Ela continua a sonhar com o dia em que será finalmente notada pelas razões certas, rodeada de comentários lisonjeadores, em que receberá a atenção de todos e a sua admiração. Quando Evie se mete em sarilhos devido ao seu dom secreto, que nunca revelou a ninguém, acaba por ser enviada pelos pais para Manhattan, para os cuidados do tio Will, o curador do Museu Americano de Folclore, Superstição e Ocultismo, mais conhecido como «Museu dos Arrepios». Para Evie, esta é uma chance de concretizar finalmente o seu sonho, ser notada.
 Quando Evie chega a Nova Iorque, procura a sua melhor amiga, Mabel Rose, uma rapariga pouco moderna que vive na sombra dos pais, e as duas envolvem-se em loucas aventuras. Viver com o seu tio Will e o seu assistente, Jericho, um rapaz calado e misterioso, parece ser a parte menos interessante de viver em Manhattan, mas nada a impede de viver os Loucos Anos 20 como uma rapariga da sua idade. Conhecer Theta, uma Ziegfeld Girl, dá-lhe a oportunidade de visitar os melhores e mais interessantes lugares da cidade. Tudo parece caminhar para o lado certo. E os sonhos que guarda no coração nunca antes lhe pareceram tão belos.

 « - Não te parece que esta noite qualquer coisa poderia acontecer?
 - Estamos em Manhattan. Qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento ». (Pág. 259)
 « Era por isso que adorava aquela cidade - uma pessoa podia ser quem quisesse ». (Pág. 427)

 Mas Evie descobre coisas relacionadas com o seu estranho dom, e que este esconde muito mais do que aparenta - e é mais poderoso do que imagina. Quando começa uma onda de estranhos homicídios e é encontrado um cadáver num estado bastante macabro e coberto de peculiares símbolos, a ajuda de Will é solicitada. Este assassino em série esconde um mal terrível e, à medida que Will, Jericho e Evie avançam na investigação destes macabros assassinatos, esta começa a compreender como o seu dom de Adivinha pode ser útil para travar um homicida impossível de dissuadir do seu objetivo.

 Ao mesmo tempo, acompanhamos a vida de outras personagens igualmente intrigantes, vão surgindo cada vez mais mistérios, somos confrontados com meias-verdades que nos obrigam a perguntar o seguinte: Que e quantos mais segredos e esconde Nova Iorque?


 Para nos descrever esta narrativa complexa e intrigante, temos a escrita de Libba Bray, uma escrita impossível de resistir, um estilo que nos agarra por completo às páginas deste livro, que nos apaixona e nunca nos larga, mesmo após o fim desta obra. Ela pode muito bem ser um calhamaço, mas não se deixem enganar pelo seu tamanho; avançamos na história com extrema facilidade, desfolhamos folhas e folhas quase que inconscientemente e, quanto mais avançamos, mais desejamos que este livro fosse maior. Os mistérios nunca param de surgir, cada virar de página promete uma nova intriga, e elas acabam por ser tantas que é pouco provável que o leitor não se questione se realmente chegará a obter todas as respostas em apenas um livro. A resposta é não, mas são essas mesmas respostas que tanto ansiamos, combinadas, repito, com o estilo de escrita único da autora, que tornam este livro tão irresistível, tão rico e tão maravilhoso, juntamente com os cenários e as personagens.

 Mas, oh, as personagens... Elas também são um mistério. Todas elas, cada uma delas, são únicas, são especiais, e nunca, mas nunca nos deixam de  surpreender. A divertida Evie proporciona-nos belos momentos de riso. O provocador Sam levou-me a soltar gargalhadinhas de colegial derretida. O enigmático Jericho desperta-nos um tal sentimento algo entre a curiosidade e o fascínio. A querida e doce Mabel obrigou-me a questionar de que é que somos feitos, se das influências ou das opiniões que não sabemos serem de todo nossas. O tio Will coloca na mesa diversas questões sobre a religião e o que os nossos olhos não conseguem ver. Theta leva-nos a pensar como o nosso Passado nos marca e modifica. O protetor e sonhador Memphis conquistou-me desde os primeiros momentos. O simpático e prestável Henry tão bem nos ensina os valores de uma verdadeira amizade. Os diálogos entre elas são algo de especial, e ainda agora, mesmo já tendo terminado esta leitura, me questiono o que mais me seduzia: se as conversas polvilhadas de bom humor ou se as descrições mágicas dos cenários mais magníficos. 

 Isto ainda não é tudo, porque a combinação de todo estes elementos tornam a narrativa ora divertida ora arrepiante. Sou grande apreciadora de thrillers e histórias de mistério, porém, nunca tinha lido uma obra que nos fascinasse de tal forma ao ponto de, mesmo nas cenas mais creepy, nos impedir que parar de ler. Este livro vem com as cenas mais pavorosas, que nos deixam com pele de galinha, com a capacidade de, ainda assim, nos encantar com o terror. A balança está perfeitamente equilibrada - entre o engraçado e o assustador - e todos os aspetos desta obra contribuem para isso.

 A vertente policial deste livro é tão genial quanto tudo o resto que o envolve, completamente diferente de tudo o que já tive oportunidade de ler. Gostei, sobretudo, do facto de o leitor ter acesso a certas informações, certas narrações de cenas relacionadas com os crimes que nos permitissem desvendar por nós parte do puzzle antes das personagens, bem como outras pistas. Desde a abertura ao desfecho, ele tanto pode exigir profundos momentos de reflexão como envolver cenas de grande tensão para o leitor. Ele mistura religião e o oculto, crenças e fanatismo e envolve outras questões relacionadas, sobre o que é real ou não.  Mesmo sendo ficção, algumas dessas questões têm a capacidade de nos fazer pensar além do que é um facto e do que não passa de uma história, se as histórias possuem mais verdade do que as ilusões que passam à frente dos nossos olhos. Afinal, em que é que o tio Will acredita?

 « - Como se inventa uma religião? - perguntou Evie.
 Will olhou por cima dos óculos.
 - Basta dizer «Deus disse-me o seguinte» e depois esperar que as pessoas adiram ». (Pág. 147)
 « A linha entre a religião e o fanatismo é difícil de delimitar ». (Pág. 215)

 E isto leva-nos a outro ponto, relacionado indiretamente com esta obra. Eu acredito profundamente na religião. Não estou a admitir que sou uma pessoa religiosa - se o sou ou não ainda estamos para descobrir - mas acredito no poder que as crenças têm sobre nós. Estes dois últimos excertos merecem um pouco de reflexão: O que há de errado em encontrar forças na nossa fé em Deus? Acreditar em mais do que um deus é errado? O que é o fanatismo? Quando é que uma crença se transforma em obsessão? Quando é que determinadas ações, motivadas pela religião, se tornam erradas? Estas frases mereceram um pouco da minha atenção, e acredito que outras despertar-vos-ão o vosso interesse. Este tipo de reflexão, derivado da leitura de um livro como este ou que surgiu da abordagem de certos temas que não envolvem diretamente este tipo de dúvidas, acaba por ser algo só nosso e único do leitor que nos leva a algo mais profundo.

 Uma protagonista como a deste livro é fundamental em muitas obras. Evie pode ser mais do que aparenta, e a verdade é que a minha relação com esta personagem teve os seus momentos. Adorei-a do princípio ao fim, mas, por vezes, as suas ações despertavam-me sentimentos um pouco entre a reprovação e a desilusão. Ela bem que pode ser, por vezes, mimada. Contudo, acabava sempre por me aperceber que, por vezes, eu não era muito diferente das pessoas que constantemente a julgavam:

 «Algumas manhãs acordava e prometia: Hoje farei tudo como deve ser. Não vou ser uma pessoa tão horrível. Não vou perder a cabeça nem ser indelicada. Não vou exagerar nas minhas piadas para que não seja preciso que todos se calem em sinal de reprovação. Serei bondosa, simpática, sensata e paciente. Como toda a gente gosta». (Pág. 293) 

 A complexidade desta personagem agradou-me imenso e sei que ela ainda me reserva enumeras surpresas.

 Adorei também o casalinho principal e os contrastes entre as suas personalidades. Para aqueles que não são grandes fãs de romance: estejam descansados, que tal não tem tanto impacto na narrativa como possam imaginar. É algo que se desenvolve lentamente e por detrás dos acontecimentos principais, que não deixa de ser perceptível aos olhos do leitor, mas que não constituiu uma parte muito importante na trama. Ainda assim, adorei o seu desenvolvimento e a maneira como estas duas personagens, que sempre adorei, se complementam. Também gostei do primeiro casalinho da história e estou ansiosa para assistir à continuidade da evolução dessas quatro personagens.

 O final deste livro foi simplesmente mind-blowing! Os momentos finais deixaram-me totalmente abalada com todas as questões que ainda foram levantadas e com todos os últimos acontecimentos que não sei bem o que irão desencadear. Lair of Dreams, o volume que dá continuidade a este, estreia a 14 de abril de 2015 (data prevista) em inglês e eu espero que a ASA continue a traduzir a série. Se bem que  a capa de Os Adivinhos não nos dá de toda a ideia de haver uma continuação. Que azar! Não para mim, mas para a ASA. A partir do momento que esta doida varrida lê um livro como este, as editoras têm de ter bastante cuidado! Eles vão ver o que lhes espera!

 « Os fantasmas existem. Os fantasmas são reais ». (Pág. 410)
 « As pessoas têm tendência a pensar que o ódio é a emoção mais perigosa. Mas o amor é igualmente arriscado ». (Pág. 459)
 « Há verdades neste mundo que as pessoas preferem não saber ». (Pág. 560)





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